quinta-feira, 30 de abril de 2015

CARTA A UMA ESTRANHA

Permite que te trate por tu, na certeza de um dia andarmos de mãos dadas, não como amigas, mas como fatalidade da vida.
Sei que existes, mas nunca te vi o rosto, não sei se és alta ou baixa, gorda ou magra, nova ou velha, apenas senti a tua presença. Mas, sim, existes, mas finjo – fingimos todos, não é? – que o nosso dia está ainda muito longe em tempo e em pensamento, e desejamos que aqueles que amamos não se antecipem a nós.
Corres o mundo como se fosses vento, tal é o teu poder, escolhes frequentemente as tuas vítimas de forma imprevisível, todos sabem o teu nome, mas pronunciam-no a medo, todos te temem e talvez por isso te respeitem, reconheço que para além da tua crueldade, ocasionalmente ages por compaixão, mas mesmo assim és tão fria que choca, tão amarga que arrepia, tão triste que dói, deixas um rasto de sofrimento que se entranha em nós que é difícil de gerir, que muitas vezes há necessidade de reaprender a viver.
Em dois meses levaste-me três familiares, todos irmãos, que deixaram viúvos, que deixaram órfãos filhos, netos, irmãos, sobrinhos, amigos e é essa tua arrogância que te torna ainda mais desprezível, morte impiedosa.



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