quarta-feira, 18 de outubro de 2017

O FOGO

... o fogo nunca há-de chegar perto de mim, quando isso acontecer já metade de Portugal terá ardido - pensava eu, ignorantemente.
Pensava eu que por viver perto do mar e dum rio, mesmo com o pinhal a cerca de 200 metros, o cenário era remoto.
Mas, no dia 15 de outubro de 2017, domingo, provavelmente o dia mais quente do ano, o fogo veio demonstrar que sou uma parva.
Quando se começou a vislumbrar no ar, a minha preocupação eram os familiares e amigos que vivem entre pinheiros e que no fatídico Verão de 2003 já tinham sido atingidos. 
No fim da tarde, começo a ver as chamas a aproximarem-se, as três estradas de acesso ao local onde vivo cortadas pelas autoridades, as pessoas que vivem paredes meias com o pinhal, evacuadas para junto do mar, não há outra saída.
O fumo já não se aguenta, máscara na cara, pegar em mangueiras e começar a molhar tudo o que se pode, extintor à mão. 
Três frentes de fogo activas, pessoas a correr desesperadas, um terreno com ervas e árvores na rua abaixo da minha, a arder. Pânico.
As fagulhas caem como fogo de S. João, de tal forma que o fogo atravessa o rio.
Entretanto, sabemos que na vila a três quilómetros, muita gente, entre as quais familiares e amigos. está a ser evacuada em direcção de Leiria.
Saíram com a roupa que tinham vestida, não houve tempo para mais, não sabem o que vão encontrar quando regressarem.
Não há vítimas mortais a lamentar, mas casas arderam, anexos, oficinas de trabalho, gado. 
Morreu também um pouco de cada pessoa a quem isso aconteceu, todos aqueles que vivenciaram o horror, ficaram mais pobres.
O pinhal tornou-se numa paisagem de cinza, que todos os dias vamos ter de enfrentar. Dizem que a área ardida foi de 80%.
No ar e dentro de casa o cheiro a fumo ainda não se dissipou.
Não ouvi as comunicações do Primeiro-Ministro e do Presidente da República, não ouvi debates, as imagens, bastam-me as que presenciei.
Descrever o que senti, o que sinto, é impossível, fica apenas o relato do que vi, que mesmo assim, não foi nada em comparação com tantas outras situações.
Preciso de tempo. Precisamos todos.
Aos heróis sem glória deste país, os Bombeiros, em especial à Corporação dos Bombeiros Voluntários de Vieira de Leiria, o meu humilde e sentido agradecimento.


Foto daqui para não esquecer



19 comentários:

  1. nem consigo dizer que "imagino" o horror que deves ter vivido :(
    que o teu coração se acalme.

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  2. acreditas que me lembrei de ti enquanto escrevia para o blog?
    Não quero imaginar o que sentiste, o que sofreste e o sentimento de impotência perante tanta catástrofe.

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  3. Acredito e agradeço.
    Nem imaginas o quanto é intenso o sentimento de impotência, perante tamanho monstro.

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  4. Magui é inexplicável a paisagem onde ainda no sábado pedalei toda a tarde no meio do verde, hoje em preto e cinzento. Que tristeza, que aflição, que dor, não há palavras para descrever as nossas perdas e eu, já não vou com certeza viver o suficiente para voltar a ver o nosso paraíso como estava. Uma dor enorme...

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    1. Uma dor do tamanho dum pinhal com 700 anos de história, onde tenho de passar várias vezes por dia, todos os dias.
      Irreal, o legado ambiental que deixamos às gerações futuras.

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  5. Pequeno caso sério19 outubro, 2017

    Mesmo sem saber de onde eras, passou - me pela cabeça que a tua ausência estivesse de alguma forma relacionada com o fogo.

    Como sabes, é coisa que também já me bateu à porta. Duas vezes.
    Nada, repito, nada comparado com isto mas o suficiente para aprender que o pânico paga - se muito caro...em prestações vitalícias.

    Recebe um abraço apertado que te chega em forma de palavras.
    ��

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    1. Obrigada, é reconfortante receber palavras de solidariedade, principalmente de quem já passou pelo mesmo inferno.
      Abreijos.

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  6. Uma triste realidade que, depois de pedrogão, pensei não voltar a ver...

    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

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    1. Talvez pare por aqui, porque não sei o que mais haverá para arder.

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  7. Querida! :(

    No que puder ajudar, mesmo, é só dizeres-me!

    Beijinho de força***

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  8. Agradeço de coração, mas felizmente não perdi nada.
    As palavras amigas, consolam.
    Beijinho

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  9. Ninguém pode dizer que está a salvo...
    Felizmente que a chuva já veio dar uma mãozinha! :\

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  10. Pensar que tragédias só acontecem aos outros, é pura presunção.
    Mesmo com a chuva, o fumo custa a dissipar-se. Esperemos melhores dias para a poeira do ar e do nosso cansaço, assentar.

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  11. é uma realidade tão triste e imagino a dor que sentem ao que não sobrou nada e que perderam tanto.
    https://retromaggie.blogspot.pt

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  12. A passar por cá para desejar bom fim de semana!

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    1. Obrigada Isa, espero que seja melhor que o anterior.
      Bom fim-de-semana também para ti.

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  13. Acho que não consigo imaginar o que é perder tudo desta maneira terrível.
    Ninguém devia ter de passar por tamanha miséria.

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