... o fogo nunca há-de chegar perto de mim, quando isso acontecer já metade de Portugal terá ardido - pensava eu, ignorantemente.
Pensava eu que por viver perto do mar e dum rio, mesmo com o pinhal a cerca de 200 metros, o cenário era remoto.
Mas, no dia 15 de outubro de 2017, domingo, provavelmente o dia mais quente do ano, o fogo veio demonstrar que sou uma parva.
Quando se começou a vislumbrar no ar, a minha preocupação eram os familiares e amigos que vivem entre pinheiros e que no fatídico Verão de 2003 já tinham sido atingidos.
No fim da tarde, começo a ver as chamas a aproximarem-se, as três estradas de acesso ao local onde vivo cortadas pelas autoridades, as pessoas que vivem paredes meias com o pinhal, evacuadas para junto do mar, não há outra saída.
O fumo já não se aguenta, máscara na cara, pegar em mangueiras e começar a molhar tudo o que se pode, extintor à mão.
Três frentes de fogo activas, pessoas a correr desesperadas, um terreno com ervas e árvores na rua abaixo da minha, a arder. Pânico.
As fagulhas caem como fogo de S. João, de tal forma que o fogo atravessa o rio.
Entretanto, sabemos que na vila a três quilómetros, muita gente, entre as quais familiares e amigos. está a ser evacuada em direcção de Leiria.
Saíram com a roupa que tinham vestida, não houve tempo para mais, não sabem o que vão encontrar quando regressarem.
Não há vítimas mortais a lamentar, mas casas arderam, anexos, oficinas de trabalho, gado.
Morreu também um pouco de cada pessoa a quem isso aconteceu, todos aqueles que vivenciaram o horror, ficaram mais pobres.
O pinhal tornou-se numa paisagem de cinza, que todos os dias vamos ter de enfrentar. Dizem que a área ardida foi de 80%.
No ar e dentro de casa o cheiro a fumo ainda não se dissipou.
Não ouvi as comunicações do Primeiro-Ministro e do Presidente da República, não ouvi debates, as imagens, bastam-me as que presenciei.
Descrever o que senti, o que sinto, é impossível, fica apenas o relato do que vi, que mesmo assim, não foi nada em comparação com tantas outras situações.
Preciso de tempo. Precisamos todos.
Aos heróis sem glória deste país, os Bombeiros, em especial à Corporação dos Bombeiros Voluntários de Vieira de Leiria, o meu humilde e sentido agradecimento.
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Foto daqui para não esquecer |